O mapa energético argentino configurou-se recentemente sob a lógica dos consórcios empresariais para diluir o risco de investimentos milionários. Mas Camuzzi Gas Inversora chutou a tabela. A empresa liderada por Alejandro Macfarlane e Jorge Brito, em aliança com o grupo italiano de Fabrizio Garilli, decidiu agir sozinha e anunciou o seu próprio projeto de Gás Natural Liquefeito (GNL). Um movimento que oscilou entre o timing político e as condições de mercado e que tem os seus desafios e vantagens.
Sob o nome LNG del Plata, a iniciativa contempla um investimento total de 3,9 mil milhões de dólares e, como a PERFIL conseguiu reconstruir, a empresa já comunicou às autoridades nacionais que apresentará o projecto ao RIGI (Regime de Incentivos aos Grandes Investimentos) no curto prazo. O objectivo é assegurar o desembolso inicial de 400 milhões de dólares necessários às obras de infra-estruturas que terão início no próximo ano: a construção de 40 quilómetros de gasoduto em terra e 10 quilómetros debaixo de água para ligar a rede backbone a um navio que já está em construção e ficará localizado perto de Ensenada.
A vantagem operacional versus risco financeiro
A medida é descrita como “ambiciosa” no mundo da energia. O principal desafio – e a maior desvantagem relativa de Camuzzi – é o apoio financeiro: lançar sem parceiros upstream (empresas petrolíferas proprietárias do gás) implica assumir sozinho um risco de capital que gigantes como a YPF ou a Pan American Energy (PAE) preferem dividir em consórcios. Sem o fluxo de caixa de uma multinacional petrolífera para amortecer os altos e baixos de um negócio com margens reduzidas, a exposição é maior.
Contra este défice estrutural, a empresa opõe a agilidade e a infra-estrutura existente como activos. Ao contrário dos megaprojectos que visam exclusivamente a exportação, este esquema propõe uma “lógica dupla”: o navio (Floating GNL) poderá liquefazer gás para vender ao mundo nos meses de verão (setembro-maio), aproveitando a capacidade ociosa dos gasodutos, e regaseificar no inverno para injetar no sistema metropolitano quando a procura residencial explodir.
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A notícia causou surpresa no mundo energético por se tratar de um projeto que terá, em volume, a mesma capacidade das demais iniciativas de GNL em andamento. O primeiro navio do consórcio Southern Energy permitirá atingir a meta de 2,4 milhões de toneladas por ano, embora com o segundo navio essa capacidade seja ultrapassada.
A rapidez é crucial no contexto de um setor energético local que acredita que a janela de oportunidade para Vaca Muerta é finita, obrigando a acelerar a sua exploração para não perder terreno para os Estados Unidos, um concorrente com menores custos operacionais e maior solidez financeira. O cenário global do GNL assumiu o centro das atenções após a guerra entre a Rússia e a Ucrânia em 2022. As sanções ocidentais e a cessação das compras de gás por gasoduto a Moscovo geraram um aumento de preços que os Estados Unidos rapidamente capitalizaram: conseguiram substituir a Rússia como o principal fornecedor de energia e consolidaram a sua vitória na disputa económica global.
Camuzzi tem a vantagem de ter o negócio garantido “em todos os extremos”. Enquanto outros consórcios ainda procuram off-takers (compradores) na Europa ou na Ásia, a distribuidora de gás já fechou o esquema de compra da produção e venda via MOU (Memorando de Entendimento). Fontes familiarizadas com a operação garantiram que se trata de clientes do continente americano. Um dos candidatos é o Brasil. Em termos empresariais, permite diversificar-se da vertical regulada de transporte de gás.
Momento político para evitar o crack
A decisão de jogar sozinho também respondeu a uma boa leitura da diretoria política. A empresa esperou que a “espuma diminuísse” da disputa entre o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, e o presidente rio Negro, Alberto Weretilneck, sobre a planta de liquefação para a qual a Petronas investiria em Bahía Blanca ou Punta Colorada e que, posteriormente, não teve sucesso. Com esta frente clara e os “bons ventos” de confiança financeira no Governo de Javier Milei após a vitória nas eleições, o projeto chega ao território portenha sem ser apanhado no fogo cruzado.
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O risco da peça é alto. Camuzzi procura entrar como sector privado local num mercado global que movimenta mais de 500.000 milhões de dólares por ano, onde a rentabilidade depende de alcançar um ponto de equilíbrio suficientemente baixo entre o custo de produção e de liquefacção. Com os preços internacionais oscilando em torno de US$ 12 por milhão de BTU e os custos logísticos competindo dólar por dólar com a eficiência dos EUA, a margem de erro é mínima.
Contudo, a projeção é que a GNL del Plata gere US$ 14,5 bilhões em divisas durante seus 20 anos de operação e crie 500 empregos diretos. Ao não depender dos tempos de coordenação de um consórcio múltiplo, a aposta de Macfarlane e Brito é que a rapidez de execução e a utilização inteligente das infra-estruturas compensam os riscos de não ter parceiros petrolíferos no conselho. No setor, além da surpresa, houve também cautela quanto às letras miúdas e dúvidas quanto ao “como” e ao momento, além do local e do déjà vu do atrito político entre Buenos Aires e Río Negro. “No final, Kicillof terá GNL em Buenos Aires”, comentou uma fonte ambiental.
AM/ML








