Através da análise genética, os pesquisadores teriam determinado as anomalias anatômicas de Hitler. A polêmica em torno das descobertas.
Esta noite, a emissora inglesa Channel 4 transmitirá o primeiro de dois episódios do documentário Hitler’s DNA: Blueprint of a Dictator. A esta altura o leitor pode pensar que se trata de uma nova peça sobre o nazismo, daquelas que são produzidas dezenas de vezes por ano. Hitler, os seus crimes atrozes, a ascensão e queda do Terceiro Reich e o universo nazi continuam a atrair o público, apesar de normalmente haver poucas revelações, poucas novidades na investigação histórica.
CLIQUE AQUI PARA PARTICIPAR DO CANAL DIARIO PANORAMA WHATSAPP E ESTEJA SEMPRE INFORMADO
Este documentário parece destinado a não passar despercebido. Foi concebido para atrair a atenção, para gerar controvérsias virulentas e insolúveis.
Segundo o que dizem quem viu e o que antecipam os principais meios de comunicação britânicos, o trabalho, após ter realizado análises genéticas, chegou à conclusão de que Hitler sofria da Síndrome de Kallman.
A definição técnica da Síndrome de Kallmann segundo manuais médicos: doença genética do desenvolvimento que se caracteriza pela associação de hipogonadismo hipogonadotrófico congênito devido à deficiência do hormônio liberador de gonadotrofina e anosmia ou hiposmia. A doença afeta o desenvolvimento normal da puberdade, provoca seu atraso ou interrupção e pode causar atrofia dos órgãos sexuais.
Hermann Göring com Hitler
O que torna Hitler notícia, mais de 80 anos após o seu suicídio, é o que estes investigadores presumem que aconteceu ao seu corpo, o que a síndrome fez à sua anatomia.
Hitler, afirmam, tinha um micropênis. E ele tinha apenas um testículo porque o direito havia sido removido.
Os mais incrédulos e desconfiados se perguntam onde foi obtido o material genético para realizar os estudos e chegar a essas conclusões surpreendentes e bombásticas. Sabe-se que o corpo de Hitler não foi encontrado; Apenas alguns restos do crânio e alguns dentes foram resgatados. Os responsáveis pela investigação afirmam que a amostra foi retirada de um pedaço de tecido retirado da poltrona do escritório do Führer no bunker. O pano tinha uma grande mancha de sangue saindo da cabeça de Hitler depois que a bala final foi atingida. O material genético viria desses restos de sangue.
Os parentes de Hitler que ainda vivem na Áustria, na Suíça e nos Estados Unidos recusaram que o seu sangue fosse comparado com a amostra quando contactados pelos produtores da minissérie. Por um lado, não querem mais ter nada a ver com o seu antecessor criminoso e, por outro, não querem sair do anonimato de que gozam.
hitler1
Recomendamos: Dia D: 81 anos se passaram desde o desembarque na Normandia que levou à derrota da Alemanha nazista
Embora ainda não sejam conhecidos os fundamentos da investigação nem tenha sido visto o documentário, já há muitos especialistas que duvidam das conclusões e do rigor científico do empreendimento.
A presença da Síndrome de Kallmann demonstraria as dificuldades sexuais que Hitler parece ter sofrido durante toda a vida. Este aspecto é apoiado pela maioria de seus melhores biógrafos. Ao estudar sua vida amorosa e sexual, seus relacionamentos sempre pareceram escassos e traumáticos. Um relacionamento com sua sobrinha que terminou com o suicídio dela e de Eva Braun.
A coisa do micropênis parece mais uma suposição do que uma certeza científica.
Há uma década, foi encontrado um registo médico de 1923 mostrando que Hitler tinha um testículo que não descia. Naquela ocasião já se falava que Hitler poderia ter espinha bífida oculta e malformações no aparelho sexual.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a população britânica cantou uma canção que dizia: “Hitler tem apenas um testículo…”. DNA de Hitler: Projeto de um Ditador tem como objetivo transformar esta canção popular do lado da guerra e da ação de propaganda em dados históricos.
Estas conclusões não têm a certeza científica necessária. São especulações de documentários de supostos canais de televisão históricos.
Alguns historiadores afirmam que durante a Primeira Guerra Mundial vários camaradas zombaram do tamanho do pênis de Hitler. Neste caso, mais uma vez, as fontes são imprecisas. Outras testemunhas afirmaram que quando foi fazer um exame médico, relutou em despir-se completamente para que outras pessoas não vissem o pequeno tamanho do seu pénis.
Outros médicos sustentam que além de falar de uma predisposição ou de um grau de possibilidades, é impossível diagnosticar Hitler com essa pouca informação e com a distância de oitenta anos. Se aquele sangue fosse de Hitler e esse material ainda fosse útil (ou suficiente) para a realização de estudos genéticos, não se poderia fazer uma afirmação conclusiva, mas apenas falar de predisposição.
Artigo do jornal inglês The Guardian destrói as conclusões científicas do documentário ao consultar especialistas que falam sobre risco poligênico.
O risco poligênico é um índice que marca a possibilidade de desenvolver uma doença, mas fala da população e não de cada indivíduo em particular. Se um estudo indicar que alguém – no caso, Hitler – está dentro do percentil de risco poligênico, as chances de ele ter tido ou sofrido essa condição ainda são baixas, inferiores a 10%.
Muitos atribuíram a crueldade de Hitler e o seu poder desumano de destruição às frustrações da sua infância, à impossibilidade de ser pintor e ao abuso parental. Agora seria acrescentado um novo argumento, uma nova fonte de raiva incontrolável: as anomalias fisionómicas do seu membro viril.
Assim, dizem, ele tentou mostrar, reafirmar a sua masculinidade, através de invasões, conquistas e massacres. No campo de batalha e não na cama. A Segunda Guerra Mundial e a Shoah, se seguíssemos esta linha de pensamento, teriam ocorrido por causa daquilo que Hitler (não tinha) dentro das calças.
Passar da biologia ao comportamento é um grande passo. e muito arriscado. E não muito preciso. Dá origem à estigmatização. Embora possa parecer paradoxal ao fazer esta operação, os criadores do documentário estariam se relacionando com algumas das ideias de Hitler sobre o determinismo racial e genético.
Os médicos esclarecem que a grande maioria das pessoas que sofrem da síndrome de Kallman não são violentas. E nenhum deles inicia uma guerra mundial ou quer fazer desaparecer vários grupos étnicos da terra.
A investigação documental utiliza outras descobertas. Dizem que o mito da sua ascendência judaica seria completamente descartado. E essas análises também revelam que ele tinha genes ligados ao espectro do autismo, à esquizofrenia e até ao transtorno bipolar. Estas nada mais seriam do que indicações porque um diagnóstico retrospectivo e totalmente conjectural é impossível.
O que foi dito: Hitler e o nazismo continuam a chamar a atenção. E também a ilusão de que novas descobertas podem ser facilmente alcançadas. As teorias da conspiração e os rumores infundados sobre o nazismo são muito saudáveis (é um bom exemplo que a legião de pessoas que estão convencidas de que Hitler viveu na Argentina cresce a cada ano) continuam a se espalhar pelos mais diversos motivos. Uma das principais é a crescente suspeita, especialmente nas últimas duas décadas, sobre se é possível chegar ou estabelecer uma verdade. A desconfiança no trabalho dos especialistas ou a superestimação do seu trabalho também influenciam, desde que apoiem a posição que nos favorece ou que escolhemos acreditar: ampliamos os dados que se adequam à nossa posição e descartamos as evidências que a contradizem ou a desqualificam diretamente.
Esses tipos de teorias e revelações são uma forma de simplificar realidades complexas em um padrão simples e binário.
Entretanto, durante várias semanas, falaremos sobre o tamanho do pénis de Hitler.







